06/08/2007

Stellinha Egg 1956 "Músicas do Nosso Brasil" [RCA Victor BLP 3022]

Ao lado de Inezita Barroso e Délora Bueno, Stellinha Egg se dedicou ao universo da música folclórica e chegou a ser reconhecida como principal intérprete do estilo. Nasceu em Curitiba e se destacou no rádio em São Paulo. Em 1945 casou-se com o genial maestro Lindolfo Gaya, que passou a arranjar seus discos, numa união também musical. Ao voltar de uma temporada no exterior, Stellinha ganhou um programa de TV dedicado à música folclórica do Brasil e do mundo. Gravou discos em produção luxuosa, um deles para crianças e lançou diversos clássicos do mestre Dorival Caymmi – alguns presentes aqui. Dorival, na época, declarou ser Stellinha a intérprete preferida de suas músicas.

“Músicas do Nosso Brasil” foi editado pela RCA Victor em 1956 em disco de 10 polegadas. As faixas haviam sido lançadas em diversos 78 rotações entre 1951 e 1954. São gravações antológicas de valor histórico e artístico incontestável. Canções, baiões, toadas e os chamados “batuques” - tudo em coesão impressionante, não parecendo tratar-se de uma coletânea. Ao vestir com tal exuberância algumas destas canções, Gaya não imaginou a dimensão histórica que o trabalho representaria. O disco é uma fusão entre música popular e elementos musicais das religiões afro-brasileiras. Algumas das músicas são adaptações de cantos e batuques apresentados de forma magnífica com orquestra e coral. O resultado chega a ser lisérgico como em “Recado à Yemanjá”, “O Vento” ou “A Lenda do Abaeté”.

Stellinha Egg tinha uma voz incomum, de brasilidade deliciosa. Em “Lamento Negro” [afro-samba muitos anos antes de Baden & Vinicius? Com certeza!] ela faz scats em yorubá, exalta “Xangô” e a certa altura parece estar “tomada”, isso enquanto a orquestra vira e revira do avesso as linhas de sopros e violinos escritos por Gaya em uma explosão de energia impressionante. Já “A Lenda do Abaeté” é lírica, orquestra e cantora em sintonia perfeita: “O luar prateia tudo, coqueiral, areia e mar... Credo-cruz que esconjuro, quem falou no Abaeté?”. Que voz! Caymmi não se rendeu à toa... Do mesmo modo, as versões de “O Mar” e “O Vento” são talvez as mais belas já gravadas.

“Músicas do Nosso Brasil” de Stellinha Egg, arranjos de Gaya é uma obra-prima. Belo, divertido, intrigante e misterioso. E também histórico e fundamental. Como bônus, incluímos duas faixas presentes nos 78 rpms que originaram o LP, mas não entraram na edição final: “Noite de Temporal” e “Nunca Mais” ambas de autoria de Dorival Caymmi. Ganhamos este presente do amigo Simon Boutman que editava o blog microgrooves que infelizmente não existe mais, uma verdadeira esta jóia! Nosso imenso obrigado.

acima: Stellinha no estúdio da TV Rio, em seu programa semanal.

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Stellinha Egg 1956 “Músicas do Nosso Brasil”
RCA Victor [BPL 3022]

01 Luar do Sertão [Catulo da P. Cearense, J. Pernambuco] canção 1952
02 Prenda Minha [Tradicional, adpt. Stellinha Egg] baião 1951
03 Recado à Yemanjá [Roskilde, Stellinha Egg] toada-baião 1954
04 O Vento [Dorival Caymmi] canção praieira 1953
05 Baião de Diamantina [H. de Almeida, R. Paes] baião 1953
06 Lamento Negro [Constantino Silva, H. Porto] macumba 1954
07 Lenda do Abaeté [Dorival Caymmi] batuque 1954
08 O Mar [Dorival Caymmi] canção 1953

09 Nunca Mais [Dorival Caymmi] samba-canção 1954
10 Noite de Temporal [Dorival Caymmi] batuque 1954

Arranjos para orquestra e coro do maestro Gaya.

05/08/2007

Onilda Figueiredo 1957 "A Voz de Onilda Figueiredo" [Mocambo LP 10026]

Este LP de 10 polegadas da gravadora Mocambo é uma das jóias da discografia brasileira nos anos 50. Onilda Figueiredo era quase uma menina quando gravou o bolero “Nunca! Jamais!” em um disco de 78 rpm de 1956. Foi um estrondoso sucesso no país inteiro. A versão feita pelo maestro Nelson Ferreira para o bolero original em castelhano de Lalo Guerrero, foi incluída no repertório de Ângela Maria, Ivon Cury, Neusa Maria, Rosa Pardini, Zezé Gonzaga e outros. Entre 1956 e 1958 a faixa “Nunca! Jamais!” foi uma das músicas mais ouvidas no Brasil. Nenhuma destas gravações no entanto, teve o mesmo êxito que a original lançada por Onilda, fato que levou a Mocambo a editar um long-play completo com sua então estrela, Onilda Figueiredo.

Fundada em Recife por Adolfo Rozenblit e seu irmão, a Mocambo produziu um catálogo bastante expressivo. Nunca ameaçou a hegemonia das “grandes” fábricas, mas no auge de sua atuação [entre 56 e 59] a Mocambo teve filiais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, lançou inúmeros discos nacionais, licenciou outras diversas gravações estrangeiras, e ainda pôde contar com a direção artística de ninguém menos que Ary Barroso.

Foi neste cenário que a Mocambo colocou nas lojas do país “A Voz de Onilda Figueiredo” em 1957: registro único desta cantora de voz doce, “rouquinha”, interpretação meiga e um sotaque incrível que só adicionou charme às suas gravações. Vale destacar o trabalho do maestro Nelson Ferreira, que resultou num colorido todo especial às faixas. Piano, naipe de cordas, trompete, sax, flautas e percussão marcada. O repertório é basicamente de boleros, mas é uma delícia e de uma elegância surpreendente. Há uma bela canção de Fernando César, “O Luar e Você” [em orquestração primorosa!] e um divertido “calypso” “Mamãe Quero Dançar” em versão de E. Rodrigo. Além de “Nunca! Jamais!” e do bolero “Se Deus Assim o Quis”, outro belo momento é “À Beira Mar”, versão em português para um grande sucesso de Bienevido Granda, com direito a introdução especial do maestro Nelson Ferreira.

“A Voz de Onilda Figueiredo” é um disco que soa muito bonito passados 50 anos de seu lançamento. É o retrato sonoro de uma época, o registro muito especial de uma grande cantora e merece seu espaço na discografia da boa música brasileira.

No escritório da Mocambo: Adolfo Rozenblit o dono, os jornalistas Ari Vasconcelos, Brício de Abreu e Ary Barroso o diretor.

Onilda Figueiredo 1956 “A Voz de Onilda Figueiredo”
Mocambo [LP 10026]

01 Nunca! Jamais! [L. Guerrero, vrs. Nelson Ferreira]
02 Se Deus Assim o Quis [L. Quintero, vrs. Nelson Ferreira]
03 Loucura [Nelson Ferreira]
04 O Luar e Você [Fernando César]
05 Mamãe Quero Dançar [Manning, Hoffman, vrs. Eduardo Rodrigo]
06 A Beira Mar [José Barros, vrs. Nelson Ferreira]
07 Loucura Passional [Nelson Navarro, vrs. Nelson Ferreira]
08 Tu Em Meus Braços [Margarida Menezes Figueiredo]

Arranjos para orquestra do maestro Nelson Ferreira.